O conhecimento é uma aventura em aberto. O que significa que aquilo que saberemos amanhã é algo que desconhecemos hoje; e esse algo pode mudar as verdades de ontem.
Karl Popper
Minha Trajetória
Não estou trabalhando tanto tempo assim no mercado de TI, apenas 5 anos e meio, mas possuo uma experiência diferenciada, trabalhei em empresas totalmente diferentes umas das outras em um curto espaço de tempo. Basicamente busco equilibrar a tríade desafios x renumeração x responsabilidades. Por conta disso, já passei por 5 empresas e tenho que dizer que valeu a pena trabalhar em todas.
Em Fortaleza, comecei trabalhando totalmente inexperiente - pois sou engenheiro civil de formação - numa empresa de educação em que TI era o meio e não o fim. Aqui, basicamente, me formei programador. Estudando sozinho e aplicando no trabalho, adquiri ótimas noções de boas práticas, orientação a objeto, banco de dados, modelagem de banco de dados e iniciei meu conhecimento no frontend.
Em seguida, fui para uma empresa que possuía um ERP de varejo gigantesco. Aqui desenvolvi minha capacidade de desenvolver e debugar códigos legados com regras de negócio tão complexas que fazem a maioria das lógicas de outros sistemas parecerem pueris.
Como que não contente, fui para uma pequena empresa cujo cliente principal era a Unimed Fortaleza e Ceará. Lá aceitei um salário menor para dar um boom na parte dos desafios da tríade. A idéia básica da tríade não é sempre equilibrar dinheiro, desafios e responsabilidade, é equilibrá-las no longo prazo; no curto, você pode muito bem focar bem mais em desafios e responsabilidades que te levarão ao aprimoramento técnico e/ou pessoal e com isso barganhar maior renumeração mais adiante.
Foi o meu caso. Nesta empresa, aceitei ganhar menos para trabalhar com foco em frontend com tecnologias novas até então para mim como Angular, Ionic, Node, React e React Native. Além disso, tive a oportunidade de trabalhar com a metodologia ágil. Com o passar do tempo, fui notando alguns problemas no processo o que me fez devorar livros sobre o tema e participar ativamente para que este fosse melhorado na empresa, adquirindo conhecimento prático e teórico de como aplicar a metodologia.
Minha próxima empresa foi uma multinacional de consultoria de software localizada em São Paulo e detentora de diversos clientes principalmente no setor financeiro. Propositalmente, nos últimos anos eu trabalhara para me mudar para São Paulo e ganhar mais e consegui. Para isso tive que dar um passo para trás, para dar dois para frente em termos de renumeração. Nem sempre é desejável fazer isso(olho na tríade), mas algumas vezes é preciso.
O fato é que nesta empresa cheguei ganhando mais e fui agraciado com justamente o elemento que estava mais buscando, a responsabilidade. Lá fui o líder técnico de uma equipe de 7 desenvolvedores e ajudei ativamente o gerente com o processo de scrum e a supervisão da equipe. Nem tudo foi fácil como parece, "pegar o bonde andando" não é trivial e se deve ter muita paciência e comprometimento para que se conquiste a confiança das pessoas. Mas tudo funcionou e até hoje pratico jiu-jitsu na mesma academia que meu chefe na época que foi um dos melhores que já tive e com quem aprendi bastante.
Responsabilidade foi o foco porém não foi só isso que aprendi lá. Embora não fosse a área que mais me desenvolvi, meu conhecimento técnico continuou aumentando. Expandindo meus conhecimentos em Angular, RxJS, Webpack, testes unitários com Jest e end to end com Cypress.
A Experiência Startup
Finalmente, buscando a experiência que me faltava em termos de empresas de TI, entrei em uma startup em um ramo totalmente novo para mim: viagens corporativas.
Aqui estou tendo a oportunidade de colocar em prática todas as minhas experiências acumuladas ao mesmo tempo. Se você acha que trabalhar em startup só exige de você conhecimento técnico está muito enganado. Talvez, se ela já esteja madura o suficiente e já tenha conseguido milhões em investimento, porém essa não é a realidade da startup que escolhi. Faço parte dos primeiros desenvolvedores da equipe o que torna a experiência ainda mais interessante, explico ponto a ponto.
Empreendedorismo
Você tem a oportunidade de acompanhar de perto todas as decisões comerciais, gerenciais, financeiras, de produto e de composição de equipe. Mesmo sendo um "mero" desenvolvedor, se você está no ambiente legal, você vai aprender nem que seja por osmose.
Transparência e Resolução de Conflitos
Nem tudo é um mar de rosas, pessoas tem qualidades, defeitos, personalidades e idéias diferentes. E isso é bom! É bom, portanto, que você trabalhe para aproveitar essa diferença para crescimento pessoal e para crescimento da empresa. Para isso você
deve ter transparência radical, tomando o cuidado de não prejudicar suas relações.
Já pensou guardar ressentimento contra alguém na sua empresa? Se sua empresa é grande, isso pode passar um certo tempo desapercebido, mas em um grupo pequeno, a percepção é imediata. Trabalhar em uma startup é assim, crescimento na resolução de conflitos, reflexão sobre feedbacks e busca pela clareza de intenções e percepções.
Produto e Desenvolvimento de Software
Desde que entrei no Instituto Militar de Engenharia(2008-2012) onde convivi com pessoas que eram melhores em matemática do que eu, eu passei a analisar e pensar o que me diferenciava dos demais. Entrei no mercado de trabalho e continuei me avaliando, pensando em que estava disposto a não saber. Descobri que meu interesse era enorme por uma gama vasta de conhecimentos: economia, investimentos, filosofia, história, argumentação, psicologia, esportes, administração, direito e programação. Havia pouquíssimo que eu estava disposto a abdicar em termos de conhecimento.
O mesmo se dava nos processos das empresas, havia pouquíssimo que eu estava disposto a não gastar minhas energias para tornar melhor. Minha visão era sempre que um dia abriria minha empresa e que algum dia seria bom pra mim.
E aí está o grande barato de uma startup para mim. Eu abdico de pouco, minha participação no produto e nos detalhes que o farão exitoso é substancial. O destino daquilo que entrará ou não no produto ou em uma versão depende diretamente da capacidade da equipe de desenvolvimento/produto de planejar, prever situações inesperadas, avaliar estas situações, analisar riscos, tomar decisões, priorizar e, por fim, executar.
Tudo isso em face de incertezas, com recursos limitados e escolhas limitadas. Tem algo mais legal que isso?
QI vs Inteligência
"As pessoas mais inteligentes estão constantemente revisando sua compreensão e reconsiderando um problema que acreditavam já ter resolvido. Elas estão abertas a novos pontos de vista, novas informações, novas ideias, novas contradições, novos desafios, mudando de idéias com frequência."
Jeff Bezos
Algumas das capacidades que QI alto confere é a resolução de problemas complexos. Um QI alto, porém, não vai ser tão valioso quanto a definição de inteligência proposta por Bezos.
O fato é que uma pessoa de QI alto sofre do mesmo mal que todas as pessoas, esse mal se chama viés de confirmação. Conforme, o psicólogo Jonathan Haidt explica em seu livro "Righteous Mind", uma pessoa de QI alto consegue gerar várias soluções ou várias argumentações que sustentem sua tese inicial, mas tem a mesma dificuldade que uma pessoa normal de revisitar suas próprias premissas, sua própria intuição.
Conforme fala Ray Dalio em seu livro Princípios. Para alcançar o sucesso, ele teve de parar de pensar em "Como provar que estou certo" para pensar em "Como saber se estou certo". Talvez uma abordagem ainda mais humilde seja "Como saber se estou errado", daí a excelente definição de inteligência do homem mais rico do mundo, CEO da Amazon.
Tudo isso para deixar claro que você vai treinar bastante essa inteligência trabalhando em uma startup. O momento em que ter um QI alto e especializado fará toda a diferença chegará, mas provavelmente em outro estágio de desenvolvimento da empresa, provavelmente quando ela estiver na fase da escalabilidade, quando o produto já estiver maduro e os desafios técnicos serão maiores que o de produto.
Comparação - Startup x Corporações
Aqui vão alguns temas de comparação com breves comentários.
As startups têm diversas fases de maturação e de acordo com elas, aspectos bem diferentes. Por startup aqui me refiro a empresas que ainda estão em fase de descoberta de seu produto e buscando clientes.
Dinheiro
Empresas tradicionais grandes irão pagar melhor que tradicionais menores, especialmente se você ocupar cargos gerenciais.
No caso de desenvolvedores, essa diferença salarial praticamente não há. Você pode trabalhar para empresa grande ou uma startup pequena e você pode receber basicamente a mesma coisa. Se a startup estiver amadurecendo e conseguir muito investimento, a chance de você ganhar mais que em empresas grandes se torna considerável.
Politicagem
Com politicagem, eu me refiro à preferência não baseada no mérito e competência. Não me leve a mal, se relacionar bem é importantíssimo, mas existem pessoas que nem isso fazem e colhem frutos com a arte da bajulação.
Em startups, o ideal é que não haja. Onde trabalho pelo menos não há nenhuma.
Já trabalhei em uma empresa pequena, porém, onde havia. Quando há problemas assim em empresas pequenas pode ter certeza que são mais comprometedores que em empresas grandes.
Desafios
Em corporações, o desafio é maior na questão da responsabilidade por gerir pessoas ou desafios técnicos que exigem bastante expertise.
Em startups, os desafios se concentram no desenvolvimento do produto e na sua capacidade de ser um competente generalista. Isso acaba sendo um passo muito importante para você gerir projetos mais adiante, muito mais importante do que obter certificados de PMO que dão status a algumas pessoas, mas de nenhuma forma atestam sua competência.
Os primeiros desenvolvedores de uma startup, porém, tem esse certificado de competência quase como automático. Se você for não for bom ou tiver problemas com autodisciplina, você provavelmente vai ser dispensado. Não é a toa que eles tendem a ser bons líderes de equipe posteriormente.
Amizades
Acho que todo ambiente é propício a isso. Uma empresa grande pode trabalhar com vários núcleos de equipes pequenas e a proximidade criada pode ser tão grande quanto a criada em empresas pequenas.
Processos
Quanto maior a densidade de talentos que você tem, menos processos você precisa. Quanto mais processos você cria, menos talento você retém.
Reed Hasting - CEO da Netflix
Essa é a idéia básica quando se fala de processos em startups, porém muitas pessoas confundem e acham que nenhum processo e planejamento são necessários. Essas pessoas não poderiam estar mais equivocadas.
Como diz Peter Thiel no seu livro Zero e Um: "é melhor ter um plano ruim do que não ter plano nenhum". Sem um plano, você não tem métrica nenhuma para saber se falhou ou não, portanto não aprende nada no processo.
Em grandes corporações, processos são muito necessários, pois a escala é outra e o problema da comunicação e de contratação de pessoas se amplifica.
Autonomia
Não é regra, mas você tende a ter mais autonomia em empresas menores.
Se uma empresa ou startup pequena comete o erro de colocar alguém fraco tecnicamente e autoritário para liderar os processos, você pode esperar o microgerenciamento do pior tipo.
Perspectiva
Pelo seu ciclo de feedback demorado e talvez pelo receio de demonstrar que determinados funcionários são valiosos para não incorrerem numa onda de aumento na folha de pagamentos, algumas empresas grandes falham em dar uma perspectiva correta de futuro ao funcionário.
Essa falta de perspectiva pode acontecer também em startups cujos fundadores possuem pouca clareza do que estão fazendo. Porém se está pouco claro pra eles, você tem uma perspectiva negativa da sua situação. Se está claro pra eles e pra você, a sua perspectiva de futuro é a mesma da perspectiva de sucesso do produto que você está desenvolvendo.
Crescimento Pessoal
Finalmente, o mais importante.
Na minha visão, o crescimento pessoal acontece de maneira orgânica em uma startup. Isso porque você cresce com seu produto, o número de funcionários e clientes acompanham, e sua responsabilidade também.
A melhor forma de crescimento pessoal é a coragem para agir para superar medos e desafios. Em uma startup, esse processo se constrói quase como um jogo em que as dificuldades vão aumentando aos poucos. Como você está naquele jogo faz um tempo, você vai fazendo coisas cada vez mais extraordinárias, mas para sua percepção o grau de dificuldade está apenas se mantendo. Essa é a importância de começar pequeno, começar limpando seu quarto.
O único perigo para uma startup é querer crescer rápido demais. Se você cresce rápido demais, é melhor tomar cuidado, pois seu condicionamento físico e de sua equipe só podem estar preparados para uma meia-maratona e você está querendo correr uma ultramaratona.
Em corporações, grandes e médias empresas, a minha impressão é que o crescimento pessoal se dá na base do salto de fé ou da aposta em treinamentos para suprir capacidades que você ainda não tem. É claro que há exceções, mas não é raro ver em grandes corporações chefes com características totalmente diferentes de seus subordinados. Isso gera um abismo de comunicação, por conseguinte, má liderança. Uma forma de minimizar isso, é a busca de lideranças internas, daí o foco em retenção e treinamento tão comuns em empresas assim.
Conclusão
Corporações e Startups, a discussão apresentada foi breve e cheia de imperfeições, mas o que acaba importando no final das contas é trabalhar numa empresa boa e decidir que desafios são mais relevantes pra você.
Eu mesmo acho os desafios da administração tradicional existente nas corporações e os desafios da abordagem lean de uma startup são ambos incríveis. O importante é absorver o melhor de cada uma e crescer junto com suas empresas.
Sucesso a todos.